Como conversar com um fascista?

Nesse livro a filósofa Marcia Tiburi traça o perfil de fascistas que desfilam pelas ruas e redes sociais e convida às pessoas que não querem compactuar com essa forma de ‘destratar’ o outro para entrar na disputa de ideias e projetos. Para ela, a resistência se dá no embate com os obtusos, porque seria a única forma “de não ser engolido, de não fazer coro, de impedir que o fascismo se consagre”. Confira abaixo excerto da entrevista concedida à Revista GIZ do Sindicato dos Professores de SP, em março de 2016

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Quando falo em fascismo, falo sobretudo da personalidade autoritária. (O título) também tem uma marca irônica porque é esquisito que um fascista vá se propor a dialogar. O conceito de personalidade autoritária se define justamente pela incapacidade, pela impossibilidade de que esse indivíduo vá se colocar na dimensão do outro. Fascista é aquela pessoa para a qual falta a dimensão do outro, por isso não pode conversar, entender o outro, não imagina a visão do outro.

Por exemplo, se vivemos num sistema capitalista, numa lógica publicitária, toda a máquina do sistema econômico, político e social está voltada para um esvaziamento da subjetividade. O que sobra é um tipo de pessoa que não apenas rechaça e odeia o outro, mas também age em nome dessa negação. Com tudo isso, quero dizer que o fascista não é só aquele que tem uma ideologia silenciosa, preconceitos calados. O fascismo é essa exposição e tem algo de espetacular. Nessa linha, podemos pensar nas manifestações fascistas em termos globais, porque não é só aqui no Brasil. Essa onda vai como um contágio de grupos e populações, que se sentem autorizados a expressar, com força e com violência, essa negação do outro.

Eu estou falando, por um lado, do esvaziamento do pensamento. Ninguém pensa, não tem reflexão. O burro está em cena e a burrice é quase um elogio, um capital cultural. Manifestar-se assim, com gritaria, violência, maledicência, com mentira, é aceito, é legal. Mas também tem o vazio da emoção. Assim como a burrice vem preencher o vazio do pensamento, o ódio.

preenche o vazio da emoção, dos afetos, nesse tempo de anestesia total Além do esvaziamento de pensamento e da emoção, a gente vive o esvaziamento da ação. Em outras palavras, do esvaziamento político. E esse esvaziamento abre espaço para a pseudo-ação, a hiperprodutividade sem fundamento e o consumismo, que são coisas bem pesadas.

O diálogo não é um pano quente, muito menos uma panaceia. Não é bater um papo, nem procurar consenso. No caso desse livro, tentei propor o diálogo como um método de resistência. O risco de todos nós nos tornarmos fascistas é muito grande, justamente por compactuar com o sistema articuladíssimo de preconceitos do fascismo: racismo, homofobia, preconceito de classe, ódio ao outro, seja nordestino, indígena, qualquer outro marcado pela diferença. Essa pessoa excluída deixa de ser um sujeito de direitos. Ao meu ver, temos que começar propondo o diálogo. Está em jogo a chance de a gente integrar, ou não integrar, todos os excluídos do processo político.

O diálogo é a marca dos processos democráticos. Não significa que a gente vá poder falar uns com os outros. É o discurso político, a fala política. Quero que as pessoas não tenham medo da política, que amem a política. 

Todo projeto capitalista implica um ódio à política. É preciso odiar a política para garantir que o poder se mantenha como vem se estabelecendo. A manutenção desse poder depende do descaso, do desinteresse e do posicionamento esvaziado. Espero que esse livro ajude as pessoas a amarem a política.

 

*Como conversar com um fascista foi publicado pela Ed. Record, em 2015. Nos ensaios que compõem a obra, Marcia Tiburi conduz o leitor em um processo de reflexão e descoberta dos valores democráticos. Além disso, desvela as contradições, os preconceitos e as práticas que caracterizam os movimentos autoritários em plena democracia formal.

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