O Sinergia promoveu na sexta-feira, dia 7 (véspera do Dia Internacional da Mulher), um debate sobre o caso de Sônia Maria de Jesus – situação relatada na capa desta edição. A palestrante que abriu o debate foi Luciana Carvalho, que é auditora do Ministério do Trabalho e foi uma das profissionais designadas para atuar no caso de Sônia.
De acordo com a auditora, o Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina teria recebido uma denúncia em 2022 sobre um suposto caso de trabalho análogo à escravidão, que estaria sendo mantido por um desembargador catarinense em sua residência. E que, pelo fato de ter um desembargador envolvido, o Ministério Público do Trabalho teria pedido apoio ao Ministério do Trabalho e autorização do Ministério Público Federal para entrar com um pedido no Superior Tribunal de Justiça para poderem adentrar à casa do desembargador. E que, somente após a autorização do STJ, foi possível ingressar na residência, já no ano de 2023.
A auditora afirma que no dia autorizado para a equipe adentrar ao imóvel, misteriosamente, a imprensa já estava sabendo antecipadamente do caso. E que, ao chegarem ao local, verificaram que a trabalhadora doméstica Sônia tinha 51 anos, era negra, surda, analfabeta em Português e em Libras, que vivia com essa mesma família há pelo menos 40 anos e que não tinha carteira de identidade até os seus 45 anos. E que só teve acesso a título de eleitor, CPF e plano de saúde nos últimos 5 anos, situação diferente dos demais filhos do desembargador. Além disso, apesar de Sônia ser analfabeta, no dia em que foi resgatada da casa do magistrado, ela dormia num quarto cheio de livros de Direito, enquanto suas roupas estavam num outro quarto nos fundos da casa, o que gerou estranhamento aos profissionais que atuaram no caso. E que, algum tempo depois, a família do desembargador entrou com uma ação pedindo a adoção de Sônia, dizendo que ela era considerada como uma filha do desembargador.
A auditora explicou que Sônia fora inicialmente retirada da residência e levada para um abrigo, onde passou a ter uma outra rotina, inclusive com curso de Libras, para que pudesse se comunicar melhor e expressar seus desejos. Mas que, com autorização do STJ, a família do desembargador conseguiu trazer Sônia de volta para sua casa.
Em função da repercussão do caso à época, a família biológica de Sônia, no estado de São Paulo, acabou descobrindo o paradeiro da mulher. De acordo com sua irmã, ela teria sido retirada de sua mãe ainda criança, sob a promessa da família do magistrado de que cuidaria dela apenas por um tempo. Ainda de acordo com a auditora, a família biológica estaria procurando por Sônia há décadas, sem sucesso.
Sônia permanece até hoje na casa da família do desembargador. Apesar dos demais filhos do magistrado falarem outros idiomas, terem completado cursos superiores e viaja do para outros países, Sônia é a única pessoa da família que não teve acesso a tudo isso, o que demonstra que não havia uma relação familiar no caso, mas uma relação de trabalho análogo à escravidão: “o caso de Sônia não é zona cinzenta. É muito claro que havia ali uma relação de trabalho. As próprias testemunhas levadas pela família do desembargador confirmam que ela era trabalhadora na casa”, afirma a auditora, lembrando que Sônia não tinha nenhum direito trabalhista.
A família de Sônia segue tentando que ela retorne para casa, em São Paulo, ou que, ao mínimo, possa se relacionar com ela, o que vem sendo impedido até o momento. Luciana conclui sua fala argumentando que “o caso é muito chocante. O trabalho aparece nos testemunhos. A família tenta encontrar com Sônia, mas há toda uma burocracia. Foi negado que ela passasse o último Natal com os familiares, ela nunca pôde pernoitar com a família em Florianópolis ou visitar os familiares em São Paulo. A gente tem que tentar fazer muito barulho, pois a ação de adoção acontece em Santa Catarina e ele é desembargador aqui no estado”.
Além da palestra de Luciana, também discursou a professora Samara Madureira, pelo Movimento Juntas! sobre o surgimento do Dia Internacional da Mulher. Ao final do evento, a artista Belu fez uma apresentação sobre a libertação do corpo das mulheres.