Artigo do Professor Márcio de Souza, ex-vereador de Florianópolis
No dia 20 de novembro de 1980, o Movimento Negro de Santa Catarina ocupou as ruas do centro de Florianópolis para denunciar o racismo estrutural e as péssimas condi ções de vida da população negra no estado. Foi no Calçadão da Felipe Schmidt, em frente ao antigo Centro Comercial ARS, que se leu a Carta-Denúncia, um documento histórico que marcou o início de uma caminhada coletiva pela igualdade racial em Santa Catarina.
Aquele ato, realizado há 45 anos, não foi apenas um protesto: foi a semente de um movimento que inspiraria, em nível nacional, a criação do Complexo das Políticas Públicas de Caráter Afirmativo, que viria a ser consolidado décadas depois em diversas leis e, sobretudo, na Constituição Federal de 1988, que reconheceu a igualdade racial como princípio fundamental da República.
Entre avanços e retrocessos
Passadas mais de quatro décadas, os negros, negras, quilombolas, indígenas, ciganos e demais grupos étnicos se guem lutando para que seus direitos sejam efetivamente im plementados. Ainda hoje, a realidade é marcada por ataques às conquistas obtidas a duras penas. Em Santa Catarina, autoridades públicas, inclusive o governador Jorginho Mello, têm promovido discursos e ações que ameaçam as políticas de cotas raciais, como no caso recente da UDESC, onde as ações afirmativas vêm sendo injustamente questionadas e desrespeitadas.
Esses ataques não são apenas ofensas pontuais: representam uma tentativa de apagar a memória e enfraquecer um projeto histórico de emancipação e justiça social. Defender as políticas afirmativas é defender a democracia e a própria dignidade humana.
Novembro Negro: memória e compromisso
O Novembro Negro de 2025 carrega um duplo significado: são 330 anos da resistência de Zumbi e Dandara dos Palmares, símbolos eternos da luta contra a escravidão, e 30 anos da Marcha à Brasília contra o Racismo, marco fundamental na consoli dação de um projeto político unificado do povo ne gro no Brasil.
A Marcha de 1995 representou um divisor de águas. Dela emergiram as bases para a incorporação, nos orçamentos públicos, de políticas específicas voltadas à promoção da igualdade racial, uma luta que se prolongou ao longo da década de 1990 e que ainda hoje precisa ser defendida e aprofundada.
Sem o povo negro, não há revolução nem democracia Durante o processo de instalação do governo revolucioná rio em Cuba, Che Guevara advertiu: “Se aquela revolução não se pintasse de mulata e não se interpretasse como negra, não seria uma revolução.” A frase ecoa fortemente no Brasil contemporâneo.
Da mesma forma, podemos afirmar: se os negros e ne gras não forem incluídos no orçamento público, por meio de políticas de ação afirmativa, o Brasil jamais será uma demo cracia plena. A inclusão racial não é concessão, é condição essencial para a transformação social.
Resistir é existir
Celebrar os 45 anos do Movimento Negro Catarinense é reafirmar a urgência da luta por justiça, reparação e igualda de. É lembrar que a liberdade não se ganha, se conquista, se defende e se renova nas ruas.
Que este Novembro Negro nos inspire a seguir o exemplo de Zumbi, Dandara e de todos os que, desde 1980, levantaram suas vozes no coração de Florianópolis para afirmar: sem o povo negro, não há futuro possível.
