Aplicativos não substituem políticas reais de saúde, bem-estar e segurança

TRIBUNA LIVRE | Por Cristiano dos Passos, trabalhador da Celesc e dirigente do Sinergia

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Tem se tornado cada vez mais comum que grandes empresas ofereçam aplicativos com descontos em academias, sessões avulsas de terapia ou aulas de mindfulness como prova de que estão “cuidando” da saúde física e mental de seus trabalhadores. Mas precisamos dizer claramente: usados de forma isolada, esses recursos não resolvem os problemas que realmente adoecem, exaurem e colocam em risco quem vive o cotidiano do trabalho.

 Esses aplicativos até podem trazer benefícios pontuais. Uma meditação ajuda a aliviar a tensão de um dia difícil, uma sessão de terapia pode oferecer suporte momentâneo e frequentar a academia é um hábito saudável para qualquer pessoa. Mas todos eles têm um limite evidente: atuam apenas sobre o indivíduo, enquanto as principais causas do adoecimento laboral e dos acidentes estão na estrutura do trabalho, e não na vida particular do trabalhador.

 De nada adianta oferecer mindfulness se a empresa mantém metas inalcançáveis, pressão constante e jornadas que ultrapassam o razoável. Não há desconto em academia capaz de compensar cadeiras inadequadas, ritmos exaustivos de produção ou falta de pausas. E nenhuma terapia avulsa substitui políticas firmes de prevenção ao assédio moral, dimensionamento correto das equipes e garantia de um ambiente seguro para relatar problemas sem medo de represália

 Quando a organização deposita todas as fichas em aplicativos, ela corre um risco grave: transformar problemas estruturais em responsabilidade individual. A mensagem implícita passa a ser “cuide-se para aguentar”, quando o correto seria “vamos mudar o que está te adoecendo”. Essa inversão é perigosa, injusta e mascara as condições que continuam prejudicando a saúde física e mental de quem trabalha.

 Além disso, no que diz respeito à segurança do trabalho, a limitação é ainda mais evidente. Sessões de mindfulness não impedem acidentes causados por máquinas sem manutenção, falta de EPI, gestão de risco deficiente ou pressão desumana por produtividade. Segurança se faz com protocolos sólidos, treinamento de verdade, investimento em infraestrutura e respeito às normas — e nada disso cabe dentro de um aplicativo. 

É importante reafirmar: essas ferramentas podem ter valor, mas apenas como complemento de um programa amplo, transparente e comprometido com mudanças reais. Cuidado verdadeiro exige políticas de saúde mental, ergonomia adequada, combate ao assédio, revisão de cargas de trabalho, canais de acolhimento contínuo e uma cultura que coloque os trabalhadores no centro das decisões.

Por isso, é nosso papel — enquanto categoria — recusar soluções superficiais e cobrar medidas que ataquem as causas de fundo do adoecimento e da insegurança. Não podemos aceitar que aplicativos sirvam de maquiagem para ambientes de trabalho que seguem nocivos. A saúde e a segurança dos trabalhadores não se resolvem com “benefícios digitais”, e sim com responsabilidade, investimento e respeito.

Esse debate é urgente, e a luta por condições dignas continua sendo a melhor ferramenta para garantir o que nenhum aplicativo pode oferecer: trabalho saudável, seguro e verdadeiramente humano. 

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