Quem inaugura essa nova seção – dedicada a trazer conteúdo de base para trabalhadores e trabalhadoras – é o educador popular Emílio Gennari que coordenou, entre os dias 1 e 3 de maio, em Lages, o Seminário de Planejamento da Intercel. No centro dos debates, os desafios do movimento sindical diante dos impasses da realidade atual. Italiano de nascimento e brasileiro por escolha, ele é formado em Teologia, fez pós-graduação em Ciências Sociais e trabalha há mais de 36 anos com educação popular.
Como fazer análise de conjuntura?
O primeiro trabalho é separar fato do que é acontecimento. Fato é considerado algo corriqueiro, sem grande influência na sociedade. Acontecimentos mexem com um grande número de pessoas. O nascimento de uma criança numa família operária é um fato, mas se essa criança for neto do rei Charles da Inglaterra é um acontecimento. Continua sendo o nascimento de uma criança dentro de uma família, mas muda de figura. Depois de fazer essa separação, temos que ver a importância disso dentro de uma conjuntura (um contexto). Voltando ao exemplo inicial, mesmo sendo neto de um rei, esse nascimento não influi em absolutamente nada. Mas se a gente pegar aquela notícia de pé de página no jornal que diz que o Banco Central dos Estados resolveu não alterar a taxa de juros, isso é muito relevante, mexe com a conjuntura mundial. Outra coisa é o sentido dos acontecimentos. Em geral, quando recebemos uma informação, as primeiras linhas falam do fato, mas o restante é o sentido que se dá ao acontecimento. O que é o sentido? É a opinião que o jornalista ou como determinada agência de notícias se expressa sobre um deteminado acontecimento. Quem faz análise de conjuntura tem que separar uma coisa da outra. Se não fizer isso, acaba comprando gato por lebre. Me interessa saber o que pensa a FIESP sobre determinado acontecimento? Me interessa, mas ao ouvi-los, eu preciso saber que é a opinião da FIESP. Ou seja, é uma opinião vinculada a determinados interesses empresariais, de uma classe social, etc. Não é que seja “A Verdade”, é a verdade da FIESP.
Quando a gente aprende a separar a importância e o sentido das informações, começamos a perceber que existem interpretações diferentes do mesmo acontecimento. Mais ainda, quando começamos a analisar para onde tende o desenrolar de um acontecimento, também percebemos quais são os paradigmas que a elite dominante estabelece na leitura da realidade. O que é um paradigma? É uma forma automática de interpretar alguma coisa, como um evento social. Vejamos: quando estávamos vivendo o período da ‘grande luta contra a corrupção no Brasil’ e a iniciativa privada estava corrompendo agentes públicos. Mesmo assim, o paradigma dizia o quê? Que o que é privado é honesto, é eficiente, faz as coisas andarem. Então, quem é o corrupto? O Estado! Só que o corrupto só existe onde tem corruptor. Então, se você interpreta as coisas sempre à luz de um paradigma, não vai sair disso. Outro exemplo: os acontecimentos na Palestina. Se eu interpreto o Hamas sempre como terrorista, eu já enquadro em uma linha de pensamento, com juízo de valores, e nunca vou me perguntar porque existe um movimento de resistência histórica naquele território. Vou perder o encadeamento dos acontecimentos que vem de 1948, quando acontece a catástrofe palestina. Mas mesmo sem ir tão longe… Após o ataque ao sul de Israel, eu fiz um teste e falei de outra operação às pessoas, com praticamente o mesmo número de mortos, etc. Automaticamente, as pessoas condenaram, isso e aquilo. Aí eu perguntei: mas a tua opinião mudaria se eu dissesse que esses mortos são palestinos? O pessoal se calou, me disseram: você enganou a gente! Não, esses números são da Operação Chumbo Derretido*, eu só não disse ao que eu me referia, de fato.
*Operação Chumbo Derretido foi uma grande ofensiva militar das forças de Israel, em 27 de dezembro de 2008, sobre a Faixa de Gaza. Somente no primeiro dia foram lançadas mais de 100 bombas sobre diversas cidades, deixando 1.400 pessoas mortas, a maioria civis, e 5.300 feridos.